segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Todo condenado na Inglaterra financia apoio às vítimas


A partir desta segunda-feira (1º/10), toda pessoa que for condenada por algum crime na Inglaterra e no País de Gales terá de colocar a mão no bolso. Acabam de entrar em vigor novas regras que determinam que, junto com a sentença criminal, seja cobrada uma taxa do condenado. O valor arrecado deve ser encaminhado para as instituições de caridade que oferecem apoio para as vítimas de crime.
A taxa foi criada por lei em 2004, mas, até então, só atingia quem era condenado a pena de multa. A essa multa era acrescido o valor de 15 libras (cerca de R$ 50) destinado às vítimas. A partir desta segunda, qualquer pessoa que for condenada terá de pagar a taxa, que vai variar de acordo com uma tabela de valores estabelecida pelo governo. Para os condenados a pagar multa, a taxa será de 10% em cima da condenação, até o limite de 120 libras (quase R$ 400). Os que ganharem liberdade condicional terão de pagar 15 libras e aqueles que receberem penas alternativas, 60. O valor para quem tiver de cumprir sentença atrás das grades será determinado pela duração da pena e vai variar de 80 a 120 libras.
A mudança faz parte do empenho do governo britânico em cobrar diretamente dos criminosos os danos causados à sociedade. Além da taxa, os presos que trabalham fora dos presídios são obrigados a entregar até 40% do salário para instituições de apoio às vítimas. Na semana passada, o governo anunciou que, no primeiro ano da lei que autorizou o confisco, mais de 750 mil libras (quase R$ 2,5 milhões) provenientes dos salários dos condenados foram encaminhadas para ajudar as vítimas.
Atualmente, o governo destina 66 milhões (mais de R$ 200 milhões) da verba pública para ajudar vítimas e testemunhas. Outros 10 milhões são apreendidos dos condenados para o mesmo fim. O governo quer equilibrar essa balança, mas sem reduzir a verba destinada pelo Estado. O plano do governo é continuar destinando os 66 milhões para as vítimas e testemunhas e fazer com que os criminosos passem a colaborar com 50 milhões de libras por ano.
O grande porém da proposta é a inadimplência. De acordo com estatísticas do Ministério da Justiça divulgadas em junho, são devidas quase 600 milhões de libras (quase R$ 2 bilhões) em multas e taxas impostas pela Justiça criminal. Com a maior abrangência das taxas, esse valor tende a subir e pode até frustrar as expectativas do governo britânico.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 1º de outubro de 2012

Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-out-01/inglaterra-todo-condenado-ajudar-pagar-apoio-vitimas

Crição de varas empresariais é indispensável para o país


O Brasil, na última década, mudou e adotou o viés do empreendedorismo, com a edição do Simples Nacional, ditando o Microempresário (MEI) e a Empresa Individual (Eireli).
No concerto geopolítico globalizado, as diversas regiões do país aderiram à expansão dos seus caminhos de negócios. Entretanto, sem sombra de dúvida, os Tribunais Estaduais do Brasil, e até mesmo o Conselho Nacional de Justiça, devem perfilhar o caminho da criação de Varas Empresariais, no aspecto de interpretar os negócios comerciais e também dar uma resposta mais ágil à dinâmica do empreendimento.
Quando cogitamos da reforma do Código Comercial, pelo apostilamento de uma legislação moderna, os meios alternativos vieram para ficar, a exemplo da mediação e arbitragem, mas, em pleno século XXI, não é mais possível a falta de especialização com segurança e certeza jurídicas, num campo essencial ao crescimento e desenvolvimento do Brasil.
A especialização tem sido regra nos tribunais, mas, ao lado disso, é indispensável o surgimento de Varas Empresariais espalhadas por todo o país.
Em qualquer região do Brasil temos áreas de grandes prospecções, do petróleo, do gás, do óleo, da mineração, do comércio eletrônico, das parcerias, das franquias, enfim, de uma gama complexa, que demanda um conceito de familiaridade no desate dos conflitos de interesses.
E o gasto a ser feito na criação de Varas Empresariais seria mínimo, se cotejado com o benefício a ser angariado e a calmaria que estaria em mãos dos empresários e um número maior de empresas com investimentos, tanto nacional, mas, também, estrangeiro.
Desta maneira, de forma exemplificativa, a presença de duas ou três Varas Empresariais nas circunscrições traria uma maior especialização, discernimento e o fim da vala comum, como soe ocorrer com processos de recuperação judicial, contratos empresariais, franquias, representações comerciais, e tudo que se ambienta na área das empresas.
O papel das Varas Empresariais imporia a presença de juízes treinados e especializados, com ênfase nos estudos de grande utilidade e a facilitação de, em pouco tempo, dar uma solução adequada ao litígio.
Não é crível que os processos encerrando questões empresariais permaneçam na fila comum de milhares de outros e que não se submetam à atenção pontual e peculiar do magistrado encarregado, reduziria a rotatividade e o perigo de mudança de posição na substituição do magistrado encarregado pela causa.
Simples iniciativa dos tribunais, com dotações orçamentarias inerentes, traria luzes ao debate e implicaria numa seletividade, em sintonia com a especialização existente nas cortes.
Sabemos que as matérias que dizem respeito ao âmago empresarial suscitam maior polêmica, desde um embate entre sócios, da disputa numa empresa familiar, na votação e anulação de deliberação assemblear, a briga por uma patente, a questão do Direito marcário, e tudo aquilo que simboliza materialização do desenvolvimento e do progresso da sociedade como um todo.
O alerta fica descortinado para todos os estados da Federação, pois o Brasil apresenta ondas de crescimento diferenciado, e não nos esqueçamos do pulsante agronegócio, cujo centro-oeste mostra sinais fortes de ocupar seu espaço e de colocar o Brasil no cenário internacional, diminuindo as defasagens em relação ao produto interno bruto.
Normal e naturalmente, as Varas Empresariais estariam sediadas nas circunscrições e abrigariam diversas comarcas ou foros e, por tal motivo, haveria uma vis attractiva para o debate mais consentâneo de processos empresariais, cuja capilaridade acentua um conhecimento com prognóstico de solução.
Enquanto na Europa e nos Estados Unidos os juízes são treinados nas suas escolas, anos a fio, para as especializações, aqui no Brasil o tempo de permanência é mínimo, e todos saem designados para acumularem tarefas em Varas atoladas de serviços e viram verdadeiras máquinas de produção.
Hoje os juízes se transformaram em fator de produção, não há mais o tempo de reflexão, de análise ou de estudo a respeito do tema, tudo demanda uma celeridade incompatível com o perfil da estruturação do impasse jurisdicional.
E o tempo razoável do processo, aquilo que se denomina efetividade, passa a ser o instrumento central de toda causa.
Sabemos que a morosidade e a lentidão do Judiciário Nacional são preocupantes, mas sem magistrados especializados e sabedores das ferramentas que dispõem, as dúvidas remanescerão e os descréditos dos empresários recrudescerão.
A vida empresarial, baseada em princípios da administração do negócio e do conhecimento do campo jurídico, exige a criação de Varas Empresariais, e o tempo é fundamental para que possamos abraçar a ideia e colocá-la em prática.
O custo-benefício seria de valor inestimável, as demandas teriam um trato melhor e o tempo de decisão seria muito menor.
Confiemos nas autoridades responsáveis para que se mostrem simpáticas à ideia e insiram, na rotina do Judiciário Nacional, o termômetro de um grande empreendimento: Varas Empresariais.
Carlos Henrique Abrão é juiz convocado do TJ-SP e doutor em Direito pela USP.
Revista Consultor Jurídico, 1º de outubro de 2012

Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-out-01/carlos-abrao-varas-empresariais-sao-indispensaveis-neste-momento-pais

OAB-RJ quer entrada de bacharel no mercado como paralegal


Os cinco milhões de bacharéis em Direito que se formaram ao longo dos anos nas faculdades brasileiras mas não conseguem passar no Exame de Ordem deveriam entrar no mercado de trabalho com a figura do "paralegal”, ou seja, teriam direito de se inscrever na Ordem dos Advogados do Brasil e atuariam como uma espécie de assistente do advogado. A proposta é do presidente da seccional da OAB no Rio de Janeiro, Wadih Damous. Ele lembra que essa figura já existe e funciona com sucesso no modelo jurídico dos Estados Unidos.
Damous lembrou que inúmeros bacharéis de Direito que não conseguem aprovação no Exame desejam apenas uma oportunidade de trabalho até que consigam se qualificar para de fato exercer a advocacia. "O paralegal seria a opção ideal para acabar com o limbo em que se encontram esse bacharéis, dando-lhes status jurídico, com a possibilidade de inscrição na OAB sob tal designação", afirmou.
Sobre o Projeto de Lei 2.154/2011, que prevê o fim do exame para os advogados, Damous afirmou que ele merece críticas no que diz respeito à intenção que lhe deu origem. "É mais do que evidente o propósito político-eleitoral, bem como de acerto de contas pessoal por trás da proposta. Não bastassem tais propósitos espúrios, a proposta em si é antirrepublicana e capaz de causar graves prejuízos a toda a sociedade brasileira".
Para Damous, a aprovação no Exame de Ordem vem se mantendo, há algum tempo, em percentuais baixos mas a culpa não é dos candidatos. "Eles são vítimas de um ensino superior deficiente, que mais se importa com quantidade do que com a qualidade. Trata-se de verdadeiro estelionato educacional", frisou. Assim, faz mais sentido afirmar que aqueles que não obtiveram a desejada aprovação no Exame da Ordem deveriam dirigir suas reclamações ao sistema de ensino como um todo, que não lhes forneceu a base necessária, lembrou o presidente da OAB.
As estatísticas apontam a existência de cerca de cinco milhões de bacharéis no Brasil, potenciais candidatos à inscrição dos quadros da OAB. Os atuais 700 mil advogados já colocam o Brasil no ranking dos três países com maior número desses profissionais, tanto em números absolutos quanto per capita, ao lado de Estados Unidos e Índia. "Extinto o Exame, o Brasil dispararia na frente", destacou Damous.
“Isto não significa apenas prejuízo para o mercado da advocacia, que já não oferece condições dignas de trabalho aos advogados atualmente inscritos. Mas perderá, sobretudo, a sociedade, caso tenha que se valer de um profissional inserido em um mercado que se tornaria predatoriamente competitivo, com tantos profissionais disputando o mesmo espaço. Sem dúvida, a qualidade também cairia verticalmente”, concluiu o presidente da OAB-RJ.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-out-01/presidente-oab-rj-defende-entrada-bacharel-mercado-paralegal

“Polícia sem controle é polícia totalitária”, diz especialista em segurança pública


  Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil

São Paulo – O uso excessivo da violência pela polícia não acabou após o episódio do Massacre do Carandiru, em que 111 detentos foram mortos pelas tropas que ocuparam o Pavilhão 9, no dia 2 de outubro de 1992. Passados 20 anos do massacre, ainda falta controle à Polícia Militar. “Quando não se pisa no freio, a polícia extrapola porque é mais fácil trabalhar com violência”, disse Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em entrevista à Agência Brasil.
Mingardi é cientista político, com doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e já foi secretário de Segurança Pública de Guarulhos, assessor do procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo e subsecretário nacional de Segurança Pública.
O especialista critica a política de segurança do estado de São Paulo e defende que é preciso “pisar no freio” para evitar excessos na atividade policial. “Combater excesso da polícia é controle. E controle é mandar a mensagem certa, que é avisar: passou desta linha será processado”, acrescentou.
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Segurança Pública disse que não falta controle à polícia do estado. “As polícias são controladas internamente por corregedorias e, externamente, fiscalizadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Falar em falta de controle é má-fé ou sandice”, disse o órgão.

Sobre a crítica de que o governador Geraldo Alckmin estaria passando a “mensagem errada” à população ao promover a comandantes das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) policiais envolvidos no massacre de 1992, a secretaria respondeu que “a polícia é treinada para agir de acordo com a lei” e que, sempre que há excessos, os policiais são punidos. “Importante lembrar que, neste ano, três policiais da Rota foram presos depois de serem acusados de homicídio em uma ação. A mensagem, portanto, sempre foi a de agir dentro da legalidade”, destacou a secretaria em nota.
Confira os principais trechos da entrevista concedida por Mingardi à Agência Brasil:
Agência Brasil (ABr): Em 2000, um documento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) dizia que o histórico da Polícia Militar de São Paulo na época do massacre, em 1992, “era de uso excessivo de violência”. Esse excesso policial continua ocorrendo nos dias de hoje?
Guaracy Mingardi: O excesso da polícia não acabou ali. Houve um momento de tentativa de controle sobre isso, que foi no começo do governo Covas [governador Mário Covas], nos primeiros quatro anos [de mandato, entre 1995 e 1999]. Depois, no segundo mandato Covas e no começo do mandato Alckmin [Geraldo Alckmin, 2001-2003]. Logo depois que o Covas morreu [2001], continuou mais ou menos porque havia interesse da Secretaria de Segurança Pública. Depois disso, foi relaxando, não houve continuidade, não houve uma preocupação em segurar a polícia porque a grande questão é a seguinte: com a polícia, em qualquer lugar do mundo, é preciso pisar no freio. Quando não se pisa no freio, a polícia extrapola porque é mais fácil trabalhar com violência. Há uma tradição de violência por parte da polícia, de várias décadas, que se agravou muito nos anos 1970, quando os militares assumiram as PMs. A Polícia Militar de São Paulo não existia. Havia a Força Pública e a Guarda Civil, que não era municipal, era estadual. Por decreto-lei, as duas foram unificadas e se transformaram na Polícia Militar, em 1969. E foi posto um general para comandá-la. Isso dá outro tipo de enfoque porque o enfoque militar é diferente do policial.  Enquanto o policial é treinado para identificar e capturar, o militar é treinado para abater o inimigo e fazer com que ele se renda de qualquer forma. A partir daí, a Polícia Militar, que tinha sido criada recentemente em São Paulo, foi ficando cada vez mais violenta.
ABr: Com o Carandiru, essa violência cresceu?
Mingardi: Depois do Carandiru, houve um decréscimo disso, mesmo durante o governo Fleury [Luiz Antonio Fleury Filho, governador de São Paulo entre os anos de 1991 e 1995]. A incidência de mortes diminuiu. Mas, depois, a coisa voltou a ter outro enfoque. Começamos a ter administrações que pisaram no acelerador e não no freio da polícia. O acelerador é dizer para a polícia: vá lá e resolva. O freio é dizer: vá resolver dentro de determinadas características. Qualquer polícia do mundo tem tendência a extrapolar. A polícia da Inglaterra mata menos em três anos do que matamos em duas semanas em São Paulo. Se você disser para ela: ‘se for um terrorista, atire na cabeça antes de ele explodir uma bomba’, eles matam um brasileiro que está correndo com uma mochila nas costas para pegar o trem do metrô [Jean Charles de Menezes foi morto por engano pela polícia londrina em 2005]. Se isso acontece na polícia londrina, imagina na polícia brasileira que não tem nenhum tipo do controle centenário que existe lá.
ABr: Tivemos o Carandiru, em 1992, com 111 detentos mortos, e os Crimes de Maio, em 2006, com mais de 400 mortos...
Mingardi: Esse já é outro momento. Aquele controle [policial, logo após o Massacre do Carandiru] já estava caindo. Em 2006, já era a segunda gestão do Alckmin e já havia mudado a estrutura da Secretaria de Segurança. Aí ocorreram os ataques do PCC [Primeiro Comando da Capital] e o que acontece em seguida? Você aumenta a liberdade da polícia e a polícia volta a fazer bobagem porque é sempre mais fácil trabalhar com violência. Aí foi crescendo. Quando o governador diz ‘quem não resistiu está vivo’ [frase do governador Geraldo Alckmin, dita logo após uma operação realizada pela Rota, em setembro deste ano, na cidade de Várzea Paulista, em que nove pessoas morreram e nenhum policial ficou ferido], antes de saber exatamente o que ocorreu, ele já está dizendo que [a polícia] pode fazer o que quiser. Tenho dúvidas se o governador sabia das implicações do que estava dizendo. Depois de 2006, isso foi crescendo porque, por exemplo, foi colocada [no comando] da Rota gente com passado complexo, conhecida como policial violento. O último que saiu da Rota [o tenente-coronel Salvador Madia foi substituído esta semana no comando por Nivaldo Cesar Restivo] esteve no Carandiru [os dois são réus no processo que investiga os culpados pelo massacre]. E você acaba promovendo essa pessoa para comandante da Rota? É a mensagem errada.
ABr: Você fala em controle. Como fazê-lo? Esse controle sobre a polícia é possível?
Mingardi: Tivemos, no ano do Carandiru, 1.490 mortos pela polícia. Um recorde paulista e talvez brasileiro. Dois anos depois, havia caído para 400 [mortes], diminuindo para menos de um terço. Se você consegue diminuir, em pouco tempo, para menos de um terço, em um trabalho de médio prazo se conseguiria diminuir muito mais e manter a segurança. Quando os homicídios começaram a cair, na década de 1990, em São Paulo, já havia uma política de controle das polícias. E continuou durante um tempo. Então, é possível controlar a criminalidade mesmo com a polícia matando menos. E há outra vantagem para a polícia em matar menos: matando menos, morrem menos policiais. Este ano, quando aumentou o número de pessoas mortas pela polícia, ocorreu um recorde de policiais mortos em São Paulo. A maioria em folga e muitos deles em execução. Deve estar ocorrendo represália de alguns grupos criminosos ligados ao PCC.
ABr: O que acontece hoje em São Paulo então é revanchismo?
Mingardi: Em princípio, há [revanchismo]. A polícia mata, os criminosos vão se vingar de determinado policial e a coisa vai crescendo. Aí, quando se mata um policial, a polícia vai lá e mata mais. Inclusive porque existe uma falha no nosso sistema. Policial morto deve ser prioridade um ou prioridade zero, se você preferir. Tem que ser a maior das prioridades porque quando não se resolve o caso do policial morto e não se prende logo os criminosos, cria-se uma ideia de revanchismo na polícia. A regra básica do trabalho policial naquele tempo, agora e em qualquer parte do mundo, é uma só: no fim do dia, o criminoso tem que ir para a cadeia, e o policial tem que voltar inteiro para casa. Quando se entra em uma espiral de violência, nem o criminoso vai para a cadeia, porque morre, nem o policial volta inteiro para casa porque a probabilidade de ele morrer é maior.
ABr: Mas há quem defenda que segurança é ter mais policiais na rua e matando criminosos. Essas pessoas têm consciência da onda de violência que isso pode gerar?
Mingardi: A maior parte das pessoas não pensa nisso. Se a pessoa foi roubada uma vez, ela está com raiva e quer que qualquer criminoso, não necessariamente aquele, pague por isso. Então tem a resposta emocional da população. E aquela história de que ‘vagabundo bom é vagabundo morto’ é uma coisa corrente na nossa população. O que as pessoas não percebem é uma coisa muito simples: isso não diminui a criminalidade. O que diminui a criminalidade é trabalho policial benfeito: boa prevenção da Polícia Militar para evitar que o crime aconteça e investigação da Polícia Civil, o que normalmente não ocorre. Muitos roubos não chegam a ser investigados. Em 30% dos homicídios na capital se chega à autoria. Matar na rua é bom para lavar a alma: ‘fui roubado ontem e mataram o criminoso - joia, me vinguei’. Mas não resolve o problema. Segurança pública não é para vingar. Resolver o problema não significa acabar com a criminalidade porque isso não existe em sociedade nenhuma nem vai existir. Mas significa diminuir muito a criminalidade e fazer com que o criminoso tenha a certeza de que será punido.
ABr: O senhor fala que é preciso resolver o maior número de caso de roubos e de homicídios. Como isso aconteceria? Não é preciso aumentar o número de policiais?
Mingardi: [Isso se resolve] com a polícia trabalhando melhor. Talvez até seja bom mais policiais. Mas não adianta colocar mais fazendo o mesmo. É preciso ter gente trabalhando de forma melhor. E trabalhar melhor é criar condição de trabalho, é o policial saber o que está fazendo, ser treinado e ter disposição. Não adianta ter um policial muito bem treinado e muito bem pago, mas sem ânimo de investigar. É preciso ter essa gente motivada, o que passa por [melhores] salários, treinamento... Mas passa também por uma mudança de mentalidade em determinados setores policiais.
ABr: Tivemos 111 mortos no Carandiru e, em 2006, tivemos as mortes nos crimes de maio, atribuídos a confrontos entre policiais e membros do PCC, grupo que dizem ter sido criado exatamente como resposta ao Massacre do Carandiru. O caso de 2006 é consequência do que aconteceu no Carandiru?
Mingardi: Isso é certeza absoluta. O PCC não existiria como tal, não teria o poder que tem se não tivesse havido o Carandiru.
ABr: Como combater os excessos policiais?
Mingardi: Combater excesso da polícia é controle. É controle e mandar a mensagem certa, que é avisar: passou desta linha será processado. E tem que ter apoio de cima, apoio político para isso. Tem que trabalhar junto com o Ministério Público e dar condições para o policial trabalhar. Se ele simplesmente achar que tem que resolver com violência e que não tem outro jeito, a coisa fica complicada. Dar condições para ele trabalhar significa equipamento, treinamento, salário, organização. Polícia sem controle é polícia totalitária.

Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-10-01/%E2%80%9Cpolicia-sem-controle-e-policia-totalitaria%E2%80%9D-diz-especialista-em-seguranca-publica

Um panorama da violência homofóbica no Brasil | Carta Capital

Um panorama da violência homofóbica no Brasil | Carta Capital

Superior Tribunal de Justiça voltará a discutir se estupro é crime hediondo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reabriu a discussão sobre se o estupro sem lesão corporal grave ou morte da vítima é um crime hediondo. Caso entenda que não, os acusados desse delito poderão ter um cumprimento de pena mais leve: com liberdade condicional em menos tempo, por exemplo.

A ministra do STJ Maria Thereza de Assis Moura trouxe de volta à discussão no dia 17, quando decidiu que o tribunal vai unificar sua jurisprudência. “A grande novidade é que no Supremo Tribunal Federal (STF) já vingou que o estupro simples (sem lesão ou morte) é crime hediondo. Não entendo o porquê dessa discussão agora”, diz o conselheiro da Ordem dos Advogados de São Paulo (OAB-SP) Otavio Augusto Rossi Vieira.

Apesar de o STF já ter decidido que todo tipo de estupro é hediondo desde 2001, como ainda a jurisprudência não era vinculante, a divergência continuou entre os juízes. Outro problema seria a mudança na classificação dos crimes sexuais. Desde 2009, o atentado violento ao pudor (atos sexuais sem penetração vaginal) passou a ser considerado estupro, o que mudou a Lei de Crimes Hediondos também. Isso teria levantado a dúvida novamente na Justiça.

“Não é um primor de redação essa norma. A Lei de Crimes Hediondos podia ser mais expressa, tanto a antiga como atual. Dá margem para interpretar que o estupro só é hediondo com a combinação da lesão ou morte”, diz o advogado penal Roberto Delmanto Junior.

Segundo a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que apresentou o recurso a ser julgado pelo STJ, a ação trata de um crime cometido antes de agosto de 2009, quando se alterou a lei. Portanto, a decisão não valeria para os crimes depois dessa data que seriam hediondos pela regra atual. A assessoria do STJ, no entanto, diz que isso só será definido com o julgamento do processo. “O tribunal pode decidir até mesmo para os crimes de hoje. A discussão é a mesma”, explica Delmanto.

Efeito

Se a decisão do STJ considerar que o estupro não é um crime hediondo, poderá haver um efeito cascata nos demais processos - julgados ou em andamento. Os réus condenados poderão entrar com habeas corpus nas varas de execução criminal onde cumprem a pena ou com recursos no STJ para conseguir uma progressão ao regime aberto mais rapidamente.

Para o criminalista e deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP) é difícil que o STJ venha com esse novo entendimento e, se isso ocorrer, o STF poderá barrar. “A lei é clara e classifica como crime hediondo. Não há nenhuma razão para se mudar.”

Na prática, a jurisprudência também tem diminuído a diferença entre os crimes comuns e hediondos. Em julho, o STF julgou inconstitucional a regra que impõe o regime inicial fechado para o tráfico, considerado hediondo. “Resta saber se isso será aplicado também ao estupro, esse é o detalhe”, diz Capez.

Estatísticas paulistas

Em todo o Estado de São Paulo, de 2000 a 2009, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), foram registrados 22.702 casos de atentado violento ao pudor e 18.770 de estupro. Com a unificação desses dois crimes, de 2009 até o segundo trimestre de 2012, foram 26.483 ocorrências de estupro. Hoje, a pena para o crime de estupro é de 6 a 30 anos, variando de acordo com as circunstâncias do delito.

Fonte: http://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2012/10/01/interna_nacional,320639/superior-tribunal-de-justica-voltara-a-discutir-se-estupro-e-crime-hediondo.shtml 

No Brasil, até quem não deve tributos deve temer...


Dizia-se antigamente que nada deve temer aquele que nada deve. Mas recentemente um cidadão viu que toda a disponibilidade de sua conta bancária desapareceu de repente por conta de uma ordem judicial. O Poder Judiciário apoderou-se de tudo o que ele tinha para pagar suas contas do mês, a pretexto de que ele era responsável pela dívida de uma empresa da qual fora sócio em passado remoto, há mais de dez anos! De fato, a vítima teve pequena participação societária numa empresa há cerca de quinze anos, dela tendo se desligado há mais de 10. Vários anos depois de sua saída a empresa teve sua falência decretada.
Acontece que existe uma execução fiscal de Imposto de Renda contra a massa falida. Os fatos geradores são posteriores à saída da pessoa aqui denominada vítima. E como não encontraram bens dos devedores (os sócios que faliram com a empresa), expediu-se ordem judicial para bloqueio imediato de valores do ex-sócio, que simplesmente não tem nada a ver com a história!
Aliás, vem se tornando cada vez mais frequentes erros no sistema de bloqueio de ativos financeiros, com prejuízos para muitas pessoas. Fica a impressão que falta um controle mais preciso desse mecanismo ou quem sabe o serviço esteja sendo delegado a pessoas não habilitadas ou que não receberam adequado treinamento.
Ainda recentemente um contribuinte recebeu notificação de que está prestes a ter seu nome inscrito no Cadin (Cadastro de Inadimplentes) ante a falta de pagamento do IPVA de dois veículos que foram dele um dia. O mais antigo desses automóveis foi objeto de roubo em 1992. Como já se passaram mais de cinco anos, o contribuinte não tem mais a documentação relativa ao caso, embora tenha sido indenizado pela companhia de seguros. Não existe razão para que alguém mantenha em seu arquivo documentos de um carro roubado há mais de 20 anos. O outro carro foi vendido e, felizmente, o contribuinte obteve documento de que ele está em Santa Catarina. Como se sabe, os registros do Detran estão sujeitos a erros.
Mas o que causa espanto é o fato de que a Secretaria da Fazenda do Estado está cobrando IPVA prescrito há muitos anos. Ora, se o Estado cobra imposto prescrito, está cometendo o crime de excesso de exação, já que o tributo não é mais devido. E obviamente o servidor público conhece a lei.
Outra questão que devemos ter em mente como possível causadora de prejuízo ao contribuinte , relaciona-se com a possibilidade de protesto extrajudicial das CDAs (certidões de dívida ativa), que representam supostos créditos do poder público.
Em 25/09/2012 foi noticiada aqui a decisão da Justiça Federal declarando ser nula portaria interministerial que permite esse protesto. No caso, o Judiciário foi acionado pelo Conselho Federal da OAB , sustentando que o protesto é desnecessário já que as CDAs gozam da presunção de liquidez e certeza. Sustentou ainda a OAB que pelo protesto “as autoridades fazendárias querem compelir os contribuintes a realizar o pagamento do crédito tributário sem as garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, o que demonstra clara pretensão de cobrança indireta de tributo”.
A CDA é título de crédito que serve de instrumento para mover a execução fiscal, que por si só autoriza penhora de bens ou mesmo bloqueio de ativos financeiros. Assim, eventual protesto serve apenas para constranger o contribuinte, causando-lhe problema desnecessário e dificultando-lhe o exercício de suas atividades.
Infelizmente também são comuns CDAs referirem-se a débitos prescritos, ou seja, débitos que não existem mais porque foram extintos pelo decurso de prazo. Assim, poderia ser protestado aquele que nada deve. Vemos, portanto, que muitas pessoas podem ser executadas, cobradas, processadas, protestadas, negativadas no Cadin ou sofrerem qualquer prejuízo ou constrangimento sem que efetivamente devam alguma coisa ao poder público.
Para que o contribuinte consiga reverter o prejuízo, cancelando as anotações, limpando o seu nome como ainda se diz, isso implicará em despesas, custos, aborrecimentos e desgastes que não são corretamente corrigidos ou anulados.
Exatamente por isso causa-nos estranheza que haja colegas advogados que admitem como normais esses desvios. A questão é simples: estamos num estado democrático de direito e qualquer medida que implique em desobediência aos princípios previstos na Constituição (ampla defesa, presunção de inocência, contraditório, legalidade, etc.) não pode ser tolerada.
Afinal, não podemos conviver com o temor permanente de sermos vítimas de um erro sério, que nos prejudique, apenas porque um burocrata qualquer cometeu um erro desnecessário e inútil, que se origina apenas da maldade humana. Afinal, uma CDA protestada é mais CDA que as outras? Colocar o nome de alguém no Cadin serve para quê? Ao que parece apenas para prejudicar uma pessoa. Isso tudo é coisa de governo medíocre.
Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-out-01/justica-tributaria-brasil-quem-nao-tributos-temer

Tertúlias Criminológicas - Prof Eugenio Raúl Zaffaroni - Introdução

Tertúlias Criminológicas - Prof Eugenio Raúl Zaffaroni - Bloco 1

Tertúlias Criminológicas - Prof Eugenio Raúl Zaffaroni - Bloco 2

Tertúlias Criminológicas - Prof Eugenio Raúl Zaffaroni - Bloco 3

Pode censura?


Semana passada, o Deputado Protógenes Queiroz pediu a retirada de cartaz do filme “Ted”, por considerá-lo ofensivo à moral mediana brasileira. O filme, segundo Protógenes, faz apologia a drogas e álcool e passa a mensagem de que o jovem que não estuda, não trabalha e se entrega a atitudes criminosas é feliz. Protógenes foi ao cinema com seu filho de 11 anos e saiu chocado.
A Universal Pictures ainda não se manifestou a respeito. Protógenes afirmou que havia crianças sozinhas no cinema assistindo livremente a cenas de sexo e drogas, passadas de uma forma agressiva e natural.
Pois bem. A vetusta Lei de Imprensa foi julgada “não recepcionada” pelo STF na ADPF 130-DF (2008). Desta forma, o que teríamos no Brasil, hoje, seria apenas a indenização a posteriori pelos excessos cometidos pela mídia em geral (art. 5º, V e X, CF).
Mas, não pensamos assim. Analisando-se a proibição constitucional total de qualquer tipo de censura (art. 220, caput e §§ 1º e 2º, CF), está também, em co-relação, o seguinte:
Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,observado o disposto nesta Constituição:
§ 3º – Compete à lei federal:
I – regular diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Art. 221 – A produção e a programação das emissoras de rádio e televisãoatenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família“.
A questão é o sopesamento múltiplo entre liberdade de mídia, direito de ser informado adequadamente, segundo os princípios dos arts. supra, e utilização apenas do mecanismo atual: ”eu sou a mídia, eu não tenho controle, eu posso lesionar livremente e depois indenizar, pois obedeço apenas à classificação indicativa e restrições pontuais”.
Cremos que os princípios transcritos acima não estão apenas escritos no papel. Se a sociedade brasileira quer afastar programas e filmes nocivos a um crescimento mental saudável dos jovens e adultos, talvez os termos “observado o disposto nesta Constituição”, ” práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”, “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;” e “IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família” pudessem ser melhor observador e aplicados.
É evidente que não se pode censurar a imprensa, a arte, a fala e as manifestações culturais do homem. Mas a moral mediana está aí para ratificar os princípios supra. Há limites traçados pela própria sociedade. Princípios nada mais são do que normas morais juridicizadas, ou seja, vetores axiológicos. O Ministério Público e a Igreja, por exemplo, não permitem pessoas nuas no Carnaval nem o desfile duma escola de samba com a imagem de Cristo na cruz. Há uma série de regras do que se pode ou não dizer em época eleitoral. Não se pode jamais vilipendiar em filmes ou programas de televisão, além de escolas de samba, a imagem de uma religião no país.
A fina linha entre punir o nocivo à formação do homem e censurar o mau gosto não é reta. Qual a função constitucional da mídia? Podemos descer ao vale-tudo? Como fica o direito de ser informado adequadamente, a proteção eficaz da criança? Nossa cultura jurídica contenta-se com a indenização apenas a posteriori? Como proteger a intimidade e a dignidade frente ao faroeste midiático atual? Como inibir a maldade televisiva, digital, etc?
Em todas as sociedades há colisão de direitos e princípios constitucionais. A proporcionalidade é um mecanismo relativamente novo para enfrentar a solução. Na ponderação (sopesamento) da carga dos vetores constitucionais e dos fatos concretos, não só o Judiciário, mas o legislador e Executivo deveriam atentar para o bem maior da proteção da pessoa e da família (art. 221, CF), do jovem, da saúde psíquica, etc. Como isto pode ser feito sem penetrarmos na arbitrariedade e aplicarmos a censura? Fica a pergunta deflagrada pelo caso Protógenes.

ANTÔNIO PIRES
Procurador da Fazenda Nacional em SP. Especialista em Direito Tributário. Especialista em Formação de Professores. Professor de Direito Constitucional, Direito Tributário, Teoria do Direito e Ciência Política da UNIP e FMU em SP. Mestre e Doutorando em Direito Constitucional.

Justiça Eleitoral de MS concede liberdade a diretor do Google; entenda o caso


O juiz da 35ª Zona Eleitoral de Mato Grosso do Sul, Flávio Saad Peron, expediu nesta quarta-feira (26) o alvará de soltura em favor do diretor do Google no Brasil, Fábio José Silva Coelho. Após determinação do magistrado, a Polícia Federal do estado de São Paulo havia detido o executivo por crime de desobediência a ordem judicial, previsto no artigo 347, do Código Eleitoral.
O caso começou quando o juiz solicitou à empresa Google, a retirada de dois vídeos postados no site YouTube. O magistrado afirmava que as imagens continham injúria e calúnia contra o candidato a prefeito de Campo Grande, Alcides Bernal (PP). No entanto, a empresa deixou de cumprir a determinação judicial, alegando que “tão logo recebeu a liminar e a petição inicial, a Google concluiu que não se trata de propaganda eleitoral negativa”.
Com a resposta, o magistrado determinou que os links fossem retirados do ar, no prazo de 24 horas, sob pena de prisão do representante legal da Google Brasil, além da suspensão dos acessos dos sites Google por 24 horas em toda capital sul-mato-grossense e, em caso de impossibilidade da medida ser restrita à cidade, fossem os acessos suspensos em todo o estado.
Intimada, a Google apresentou petição em 18/09 recusando-se a retirar os vídeos e dizendo que “as ameaças feitas por este Douto Juízo Eleitoral são ilegais e violam princípios processuais e constitucionais de ampla defesa, contraditório, devido processo legal e acesso ao duplo grau de jurisdição”.
No dia 20, com os links ainda disponíveis, o magistrado fez cumprir sua determinação, solicitando a suspensão do YouTube no Estado e a prisão de Coelho. Em sua decisão, o juiz lembra que a empresa “não tem poder jurisdicional” para julgar se os vídeos são caluniosos, ou se configuram propaganda negativa. Além disso, reafirma que a empresa “não tem competência, direito ou faculdade para decidir se cumpre ou não determinação judicial”.
Com mandado de prisão expedido, a Google entrou com um pedido de habeas corpus no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS), alegando se tratar de crime de menor potencial ofensivo. O juiz Amaury da Silva Kuklinski indeferiu o pedido, argumentando que “o processo eleitoral deve ser regido sempre pela normalidade e legitimidade dos atos de campanha” e que o juiz eleitoral tem poder de polícia para “determinar a cessação de qualquer ato ilegal que atente contra outrem na esfera eleitoral”.
Kuklinski ressaltou, ainda, que “a prisão é medida extrema, que somente deve ser decretada em momento que realmente a justifique” e que, neste caso é aplicável, já que a Google se recusou a cumprir a decisão de Flávio Saad Peron.
O processo, que se trata de uma Representação com pedido de liminar em face do Facebook, Yahoo e Google, continua sua tramitação normal junto ao Cartório da 35ª Zona Eleitoral de MS.
Na Polícia Federal de São Paulo, o diretor da Google Brasil foi ouvido e liberado, comprometendo-se a comparecer perante a Justiça, mediante a assinatura de um Termo Circunstanciado de Ocorrência.
Repercussão Internacional 
A decisão de Peron em prender o diretor da Google repercutiu em todo o Brasil e na mídia internacional, com a publicação de reportagens em veículos como o “The New York Times”, “The Wall Street Journal”, “BBC”, “The Guardian”, além da rede de televisão norte-americana CNN.
O juiz se diz surpreso com a repercussão do caso e disse que preza pela liberdade de expressão, desde que ela não macule a honra das pessoas. Ele ressaltou, ainda, que avalia a detenção como positiva, “pois mostrou para o Google que no Brasil há leis e que elas precisam ser respeitadas”.
Diogo Rais
Doutorando em Direito Constitucional pela PUC-SP. Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, com cursos de extensão em Justiça Constitucional na Université Paul Cézanne.

Projeto prevê prova testemunhal para provar embriaguez


Tramita no Senado um projeto de lei que pretende proibir totalmente o consumo de álcool para quem está ao volante. Além disso, a proposta prevê a possibilidade de comprovação de embriaguez por meio de testemunhas ou vídeos. E mais: prevê prisão de até 12 anos caso o condutor nessa condição cause alguma morte.
Para o advogado Maurício Silva Leite, sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados e presidente da Comissão de Cumprimento de Penas da OAB-SP, essas alterações podem gerar condenações injustas. De acordo com o advogado, a iniciativa é louvável no sentido de aperfeiçoar as normas voltadas ao combate dos crimes praticados no trânsito, mas é preciso ser vista com mais cuidado.
“A questão recomenda grande cautela, uma vez que o texto legal não pode cair em excessivo subjetivismo, sobretudo no tocante aos meios de provas admitidos para que se faça a prova do estado de embriaguez do motorista”, afirma. Ele destaca, ainda, que “preocupa a possibilidade da avaliação do estado de embriaguez do motorista poder ser feita exclusivamente por meio de testemunhas, segundo prevê o projeto, pois esta situação pode gerar condenações injustas”.
De acordo com o projeto, o artigo 306, terá o seguinte texto a respeito da caracterização do crime:
A caracterização do crime tipificado neste artigo poderá ser obtida:
I - mediante testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outros meios que, técnica ou cientificamente, permitam certificar o estado do condutor;
II - mediante prova testemunhal, imagens, vídeos ou a produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.

Silva Leite acredita que a questão merece uma reflexão maior. “Além disso, a sociedade precisa refletir um pouco mais sobre a questão da eliminação do limite mínimo de gradação alcoólica, já que não é qualquer ingestão de álcool que impossibilita a condução de veículo automotor”, comenta.
Ele explica que o limite permitido atualmente foi definido com base em estudos científicos que comprovam que uma pessoa tem perfeitas condições de dirigir. “Neste sentido, não tenho convicção de que a exclusão deste limite, por si só, fará com que os acidentes diminuam”, afirma.
Para o advogado criminalista e professor, Luiz Flávio Gomes, a condenação injusta não acontecerá. "O juiz terá que analisar de acordo com as provas. Não pode ser subjetivo. Terá que ficar comprovado que a pessoa está visivelmente bêbada, sem um nível de segurança para dirigir", explica. Segundo ele, não basta alguém falar que o outro estava embriagado. As provas testemunhais e de vídeo, entre outras, devem ser contundentes.
Porém, Luiz Flávio Gomes defende uma revisão das penas previstas no projeto de lei. "Tem que ser revista a pena máxima. Para quem é flagrado dirigindo visivelmente embriagado, por exemplo, eu acredito que dois anos seria razoável", explica. O projeto prevê de 6 meses a 3 anos de prisão nesse caso.
O endurecimento da norma penal também é contestada pelo advogado Silva Leite. Para ele, este “não é o único meio de repressão de uma conduta lesiva sociedade, devendo ser utilizada a incriminação de determina prática social somente quando as outras áreas do direito não são suficientemente eficazes para coibir a referida prática”.
Segundo o advogado, o aperfeiçoamento do combate aos acidentes de trânsito deve começar por uma fiscalização e punição em âmbito administrativo, reservando-se o direito penal somente para as situações concretas de maior gravidade.
O texto aprovado pelo relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, senador Ricardo Ferraço, prevê penas variadas que podem chegar até 12 anos de prisão:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, sob influência de qualquer concentração de álcool ou substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1º Se da conduta resultar lesão corporal, aplica-se a pena de detenção, de 1(um) a 4 (quatro) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 2º Se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave, aplica-se a pena de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 3º Se da conduta resultar morte, aplica-se a pena de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
O projeto de lei é de autoria do deputado Hugo Leal. No Senado, o relator na CCJ aprovou o texto com emendas para que seja analisado na pauta da comissão.

Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 1º de outubro de 2012

Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-out-01/projeto-flexibiliza-prova-embriaguez-gera-divergencias

Cem histórias de vida e do próprio direito trabalhista


A Constituição de 1988, apesar de sua índole democrática e das evidentes manifestações sobre o princípio da liberdade sindical com a eliminação das formas mais explícitas de intervenção estatal, contraditoriamente, proclama o princípio do sindicato único. Criou-se, assim, a máxima de que a liberdade sindical no Brasil constitui apenas meia liberdade, com autonomia sindical em face do poder público e liberdade individual negativa de associação. A análise é do advogado e professor Cássio de Mesquita Barros Júnior e integra os Anais da Academia Nacional de Direito do Trabalho, resultado do mais recente seminário organizado pela instituição.
O livro reúne o pensamento de duas dezenas de especialistas sobre seis temas atuais na área trabalhista, selecionados entre aqueles que mais tem merecido atenção da doutrina, incluindo os polêmicos critérios adotados pela máquina estatal para a concessão de registro para entidades sindicais, bem como seus efeitos na atualidade.
Os seminários e simpósios reunidos no livro fazem parte dos objetivos da Academia Nacional de Direito do Trabalho de "aperfeiçoar e difundir a legislação trabalhista". No próximo dia 10, a Academia comemora o seus 34º aniversário e tem planos mais ambiciosos. Além dos Anais, fazem parte desta estratégia um projeto ainda mais ambicioso de criação de um Banco de Memórias e Histórias de Vida dos integrantes da ANDT, o que vale dizer 100 nomes entre os mais expressivos juristas brasileiros, cujas trajetórias se confundem com a própria história do Direito do Trabalho.
O banco de memória foi inaugurado em junho, com a publicação de Vida, Trabalho e Memória, livro que reúne "histórias de vida" de 25 fundadores e presidentes da Academia Nacional de Direito do Trabalho, entre os quais Arnaldo Lopes Süssekind, Amauri Mascaro Nascimento, Arion Sayão Romita, Floriano Corrêa Vaz da Silva, José Augusto Rodrigues Pinto, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Georgenor de Sousa Franco Filho e o próprio Cássio de Mesquita Barros Júnior. A previsão é de que o projeto seja concluído em maio de 2014, com 100 depoimentos, por meio dos quais se pretende contar a história do Direito do Trabalho no Brasil por aqueles que participam da sua construção.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-out-01/estante-legal-historias-vida-contam-historia-direito-trabalhista

STJ define aplicação de privilégios a casos de furto qualificado


A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especializada no julgamento de processos criminais, fixou o entendimento de que o privilégio previsto no parágrafo 2º do artigo 155 do Código Penal (CP) pode ser aplicado em casos de furto qualificado.
O dispositivo estabelece que, “se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”.
Muitos magistrados entendem que esse privilégio não pode ser concedido em caso de furto qualificado, seja pelo concurso de agentes, abuso de confiança, rompimento de obstáculo ou nas outras hipóteses previstas no parágrafo 4º, também do artigo 155 do CP. Outros entendem que sim, desde que cumpridos os requisitos do parágrafo 2º.
Essa discordância também existia no STJ. Em agosto de 2011, no julgamento de embargos de divergência (EREsp 842.425), a Terceira Seção, de forma unânime, decidiu pacificar o entendimento de permitir a aplicação do privilégio diante de circunstâncias objetivas de qualificação no crime de furto.
Para consolidar essa tese, a Seção julgou quatro recursos especiais sob o rito dos recursos repetitivos, previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil. A decisão tomada nesses processos será adotada em todos os casos idênticos que chegarem ao STJ. É também uma orientação para todo o Judiciário brasileiro porque, nos casos em que a tese for aplicada pelas instâncias ordinárias, não será admitido recurso para a Corte Superior.
Abaixo você pode conferir os recursos que foram julgados:

Fonte:                                                                         
BRASIL – Coordenadoria de Editoria e Imprensa do Superior Tribunal de Justiça, em 28 de setembro de 2012 – Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=107148  Acesso em: 28 de setembro de 2012


Condenação criminal: privação da liberdade e a dignidade humana do à luz da Constituição Federal


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa desenvolver o debate sobre tipos penais que, pela sua natureza mais grave, imponham privações a liberdade de modo mais severo, sendo questionada a tese de afastar o princípio da dignidade humana do infrator a luz da Constituição Federal de 1988, visto a busca em resguardar valores maiores como a segurança social.
Alguns tipos penais caracterizados como hediondos e equiparados, bem como outros tais como, crimes que imponham privações à liberdade, e considerados inafiançáveis, insuscetíveis de graça e indulto, tendo como exemplo destes: o terrorismo, racismo, tortura, estupro, homicídio e pedofilia.
Dos indicados, alguns se destacam como crimes hediondos, ou equiparados, e em sua essência estabelecidos na Carta Magna, que os assevera de modo a atribuir valoração penal especial, que, na aplicabilidade das penas de modo mais severo, levanta a questão se não estaria a obstruir a dignidade da pessoa humana na aplicabilidade de penas, uma vez que, o referido princípio é alicerce social fundamental estabelecido no art. 1º, inciso III da CF/88, correlacionado aos Direitos e Garantias Fundamentais em sua essência, cláusula pétrea tal como disposto no art. 60, inc. IV de nossa Lei Maior.
Tal abordagem temática pretende como escopo, observar se a aplicação de sanções ao infrator, no que diz respeito à proteção à dignidade humana, estaria juridicamente justificada à luz da Constituição Federal de 1988, bem como o entendimento prevalecente nos Tribunais Superiores.


2. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Elencada entre os princípios fundamentais dispostos no art. 1º, inciso III da CF/88, tal princípio relacionado à matéria penal encontra outros dispositivos na Carta Magna que, visa assegurar sobre tudo a integridade física e moral do apenado, tal como os dispostos no art. 5º, III e XLIX.

Tais direitos fundamentais são classificados pela doutrina em gerações ou dimensões, que aqui será mencionado apenas duas que convém citar: na primeira geração, os direitos humanos com relação à liberdade individual; e na quinta geração preconizando a possibilidade de limitação nesta, entendendo-se que não seja os direitos humanos em si absolutos, quando estiverem em colisão direta com outros direitos fundamentais mais valorados, como exemplo, a manutenção da paz social, está última, classificada por Karen Vasak tal como indica Pedro Lenza[1].
De modo conceitual, o jurista Alexandre de Moraes leciona sobre a dignidade humana que:
[...] se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais [...].[2]
Nessa linha de entendimento, a CF/88 introduz correlação direta dos bens jurídicos, com todos os ramos do Direito, e, em analise que aqui importa – o Direito Penal, de modo a valorar os bens jurídicos mais importantes a serem salvaguardados, por este.  Tal como indicado por Lopes na doutrina de Häberle, que vale colacionar:
[...] o conteúdo essencial dos direitos fundamentais deve circunscrever-se por meio de limites imanentes que envolvem esse conteúdo essencial frente a bens jurídicos de igual ou superior valor, mediante o princípio da ponderação de bens jurídicos.
Essa formulação se expressa adequadamente como a relação interna, imanente, na qual se encontram os direitos fundamentais com a Constituição como um todo e com os bens jurídico-constitucionais particulares. Estes se situam dentro da totalidade do sistema de valores jurídico-constitucionais.[3]
Observado que a dignidade humana seja preceito expresso no art. 1º, III da CF/88 e implícita no art. 5º dos Direitos e Garantias Fundamentais dispostos no Título II, assevere-se que, necessariamente uma ponderação de valores se faça quando haja bens jurídicos maiores em risco, em detrimentos do direito a dignidade humana de apenas um indivíduo, tal como a liberdade, motivo pelo qual, nas vastas tipificações penais, as medidas privativas de liberdade se sobreponham a liberdade individual de quem possibilite o risco social, mesmo porque, o Direito Penal tem como entre suas funções, uma retribuição aos infratores por suas condutas delituosas.
Para elucidar melhor, segundo a doutrina de Prado quanto ao referido princípio: “Apresenta-se como uma diretriz garantidora de ordem material e restritiva da lei penal, verdadeira salvaguarda da dignidade pessoal, relacionando-se de forma estreita com os princípios da culpabilidade e da igualdade.”[4]
Da dignidade humana nascem outros princípios os quais norteiam o Direito Penal, regendo sua aplicabilidade e limitação de imposição de penas, entre os principais: a subsidiariedade, responsabilidade pelo fato e penal subjetiva, ne bis in idem, adequação social e insignificância.
Em síntese, compreende-se pelo exposto, que a aplicação do Direito Penal deverá funcionar como ultima ratio, ou seja, quando não houver outros ramos do Direito, capazes de garantir a segurança e interesse público, quando assim, ter-se-á justificativas que firmem a interferência na dignidade da pessoa humana, tal qual seja nesta discussão, a liberdade, uma vez que, regras de convívio social tenham sido infringidas a ponto de imputarem penas privativas a determinado infrator, tal como exemplos, os tipos penais que tenham maior reprovação social.


3. PRIVAÇÃO A LIBERDADE E A DIGNIDADE HUMANA DO INFRATOR A LUZ DA CF/88.

3.1 Previsões Legais:

Cumpre colacionar inicialmente, previsões legais de modo indicativo sobre os crimes anteriormente já exemplificados, quais sejam: o terrorismo, racismo, tortura, estupro, homicídio e pedofilia, entre os quais, alguns hediondos e outros equiparados, que imponham privações a liberdade, inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, tal como preceitua o art. 5º, incisos XLII e XLIII da CF. Vejamos:
Art. 5º
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; (Grifei).
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (Grifei).
De outro modo, tal como destacado nos incisos acima, há Leis Especiais que tratam da matéria, definindo a aplicação das penas, dispondo do modo que se imporá a privações como punibilidade pela prática de cada crime.
Apenas a título de observação, e sem alastrar a discussão apresentada na doutrina e jurisprudência no que se referem aos termos insuscetíveis, tais Leis prescrevem modo mais restritivo em comparação à CF/88, impossibilitando a concessão de indulto, tal como prevê os arts. 1º e 2º da Lei n. 8,072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), além de insuscetíveis de anistia, graça e a fiança, o que já levantou o questionamento de sua constitucionalidade.
Desta forma, Rogério Sanchez Cunha em sua obra de Legislação Penal Especial observa precedentes do STF no sentido de firmar a constitucionalidade da lei, no que diz respeito ao indulto ser insuscetível, colacionando tal jurisprudência. Vejamos:
Habeas corpus – Vedação ao benefício da comutação da pena – Constrangimento ilegal – Inocorrência – Habeas corpus indeferido. O disposto no art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, bem como o art. 2º, inciso I, da Lei 8,072/90, vedam a concessão de graça ou anistia aos condenados pela prática dos crimes definidos como hediondos. A questão de presente writ já foi largamente discutida por esta Corte, encontrando-se pacificado, em ambas as Turmas, o entendimento de que, sendo a comutação da pena espécie de indulto parcial, o Decreto Presidencial 3.266, de 29.10.1999, não se aplica ao condenado pela prática de crime hediondo. Precedentes. Ordem indeferida. (HC 86.615/RJ, 2.ª T., rel. Min. Joaquim Barbosa, Dj 24.11.2006).[5]
A mesma linha de raciocínio é corroborada por Damásio Evangelista de Jesus e Leuiz Vicente Cernicchiaro, como Junqueira e Fuller ao citar decisão do STF no sentido de:
[...] a legitimação da proibição inscrita no artigo 2º, inciso I, da Lei n. 8,072/90, entendendo-se que a Constituição Federal empregou o termo “graça” sem sua acepção ampla, compreendendo a graça em sentido (medida de ordem individual) e o indulto (medida de ordem coletiva). Ademais, argumenta-se não ter sentido a limitação da clemência individual (graça) e a permissão da clemência de alcance coletivo (indulto), de maior abrangência.[6]

3.2 Discussões doutrinárias e dos Tribunais Superiores:

Muitos são os entendimentos apresentados pelo STF no sentido de sopesar o princípio da dignidade da pessoa humana com a privação a liberdade nos crimes que ensejem tal penalidade, quando na incorrência de crimes mais gravosos que firam os bens jurídicos mais salvaguardados pelo Direito Constitucional e Penal, quais sejam, a vida e segurança pública.
No entanto, mesmo com a observância de proteger bens maiores e de âmbito social, em detrimento dos direitos humanitários de determinado paciente que possa impor certo risco a toda a população, ou a pessoas que estejam direta ou indiretamente relacionados a este, os direitos mínimos da dignidade humana deverão ser respeitados, mesmo que, alguns sejam abdicados para que toda a política criminal surta efeito, tal como a privação a liberdade, com a busca pelo Poder Judiciário no balanceamento do sentimento de justiça.
Tais situações que ensejem a obstrução à liberdade, deverão ter base sólidas e fundamentadas sob pena de inviolabilidade das garantias constitucionais e alcance do chamado “direito penal do inimigo”. É o entendimento firmado pelo STF no HC 85.531:
Estipulação do cumprimento da pena em regime inicialmente fechado. Fundamentação baseada apenas nos aspectos inerentes ao tipo penal, no reconhecimento da gravidade objetiva do delito e na formulação de juízo negativo em torno da reprovabilidade da conduta delituosa. Constrangimento ilegal caracterizado. Pedido deferido. O discurso judicial, que se apoia, exclusivamente, no reconhecimento da gravidade objetiva do crime – e que se cinge, para efeito de exacerbação punitiva, a tópicos sentenciais meramente retóricos, eivados de pura generalidade, destituídos de qualquer fundamentação substancial e reveladores de linguagem típica dos partidários do ‘direito penal simbólico’ ou, até mesmo, do ‘direito penal do inimigo’ –, culmina por infringir os princípios liberais consagrados pela ordem democrática na qual se estrutura o Estado de Direito, expondo, com esse comportamento (em tudo colidente com os parâmetros delineados na Súmula 719/STF), uma visão autoritária e nulificadora do regime das liberdades públicas em nosso País. (HC 85.531, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-3-2005, Segunda Turma, DJ de 14-11-2007.) Vide: HC 100.678, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-5-2010, Primeira Turma, DJE de 1º-7-2010.[7]
Note-se que a preocupação em procurar indicativos que afirmem a necessidade de penas mais severas e não apenas no reconhecimento da gravidade objetiva do delito, necessitando a sentença de uma fundamentação mais concisa para não incorrer em nulidades ou sujeitar a recursos. Tal obrigatoriedade de fundamentação possui seus alicerces na CF/88 em seu art. 93, inc. IX, tal como asseverado acima, sendo essa a preocupação do legislador que reforçou a ideia com a Nova Lei de Prisões (12.403/11), que alterou dispositivos do Código Penal e Processo Penal, de modo a expor tal obrigatoriedade motivacional.
Sem alastrar demasiadamente a importância de decisões fundamentadas, outra questão de relevante valor discutida na doutrina, diz respeito à Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais – LEP), que segundo o entendimento de Junqueira e Fuller:
[...] em eu artigo 3º, garante ao condenado todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, trazendo assim maior resguardo à dignidade do condenado. Os artigos 40 e seguintes regulamentam, ainda que de forma não exaustiva (até mesmo pela fórmula genérica do artigo 40), os direitos do condenado, impedindo assim, em maior âmbito de concreção, violação aos direitos humanos.[8]
Além disso, nos Tribunais Superiores, atentam-se a aplicação da Lei de Execução Penal de modo não apenas de impor uma retribuição ao infrator pelo danos causados e como medida de prevenção, mas também, no cumprimento desta como meio de proporcionar reintegração social, tal como observado no HC 99.652 do STF. Vejamos:
A LEP é de ser interpretada com os olhos postos em seu art. 1º. Artigo que institui a lógica da prevalência de mecanismos de reinclusão social (e não de exclusão do sujeito apenado) no exame dos direitos e deveres dos sentenciados. Isso para favorecer, sempre que possível, a redução de distância entre a população intramuros penitenciários e a comunidade extramuros. Essa particular forma de parametrar a interpretação da lei (no caso, a LEP) é a que mais se aproxima da CF, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). A reintegração social dos apenados é, justamente, pontual densificação de ambos os fundamentos constitucionais. (HC 99.652, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 3-11-2009, Primeira Turma, DJE de 4-12-2009).[9]
Porém, aqui se encontra uma das grandes mazelas e descaso do Poder Público, pois, é de notório conhecimento que o sistema penitenciário brasileiro não encontra consonância ao que a lei estipula, tendo uma precariedade em diversos sentidos, que obstruem os direitos humanos assegurados pela CF/88. Casos tais quais os de pessoas encarceradas em contêineres (o exemplo ocorrido no estado do Espirito Santo), ou as diversas rebeliões nas cadeias sucedidas sem o mínimo de segurança para que isso se impeça, entre tantos outros mais que poderiam ser exemplificados. Esse entendimento é o plenamente explorado por Luiz Flávio Gomes:
Cuida-se de um novo modelo de prisão (como diz M. Sozzo) “que abandona completamente como finalidade declarada a ‘correção do criminoso’, abraçando outros objetivos como legitimação da sua própria existência. Por um lado, a retribuição do dano gerado pelo delito por meio da produção intencionada de dor no preso. Por outro, de forma prioritária, a incapacitação ou neutralização do preso, durante um lapso de tempo mais ou menos prolongado, de forma tal que não possa reincidir no delito, ‘protegendo o público’, gerando ‘segurança’. Os presídios e as cadeias, como latrinas do sistema criminal brasileiro, passam a ser centros sanguinários e violentos de distribuição de dor e de sofrimento excessivo (abusivo)[...].[10]
Muitas outras discussões podem surgir sobre a violação que uma pena e o cumprimento desta possam proporcionar em relação aos direitos humanos. Importa ressaltar como já mencionado acima, que, as penas que obstruam o direito de liberdade ferindo direitos humanos em suas bases, no estado social em que se vive, justificam-se em muitos casos devido à segurança que se quer proporcionar a sociedade. O problema maior não está na imputação das penalidades que ensejam tal violação, mas sim, na forma que tal pena será aplicada, ou cumprida, visto que, como explanado, a LEP busca formas de inserção dos delinquentes egressos nos meios sociais, mas o sistema carcerário encontra-se falido e não proporciona esta ressocialização da pena.
Não se pode pensar também que, devido a esse déficit do sistema carcerário, deva-se singularizar as condenações de modo a torna-las mais brandas, pois, o intuito maior é coibir a prática de novos delitos, sujeitando os infratores a determinadas penas com seu cumprimento como forma de conscientização das permissivas sociais.
Mesmo nos casos de incorrência de crimes hediondos ou equiparados, pelos quais se impõem medidas de cumprimento de penas mais severas, a jurisprudência já se delineava anteriormente com posicionamentos no sentido de concessão de regimes de cumprimento mais benéficos ao sentenciado, mas admitidos com as devidas peculiaridades de critérios objetivos e subjetivos. Um exemplo nítido dessa linha de pensamento é o apresentado no HC 83.358 do Supremo:
O fato de o paciente estar condenado por delito tipificado como hediondo não enseja, por si só, uma proibição objetiva incondicional à concessão de prisão domiciliar, pois a dignidade da pessoa humana, especialmente a dos idosos, sempre será preponderante, dada sua condição de princípio fundamental da República (art. 1º, III, da CF/1988). Por outro lado, incontroverso que essa mesma dignidade se encontrará ameaçada nas hipóteses excepcionalíssimas em que o apenado idoso estiver acometido de doença grave que exija cuidados especiais, os quais não podem ser fornecidos no local da custódia ou em estabelecimento hospitalar adequado.” (HC 83.358, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 4-5-2004, Primeira Turma, DJ de 4-6-2004).[11]
O mesmo tem sido o entendimento quando não haja estabelecimento penal para cumprimento da pena no regime que o apenado tenha direito em virtude de sua progressão de regime, tal como exemplificado pelo HC 216.828-RS[12], em que a benesse do HC foi concedida para o cumprimento em regime domiciliar.
A análise de cada caso em concreto deverá ser atentada no cumprimento da pena com observâncias dos critérios que possibilitem concessão de benesses no cumprimento das penas, uma vez que, em muitos casos, sua aplicação não se justificará tão somente pelo fato de o crime ser tipificado como hediondo ou equiparado tal como os tipos penais expostos no subitem anterior.
Outrora foram os debates doutrinários e jurisprudências a respeito da progressão de regime, tal como definido nos dispositivos legais, sendo que, na atualidade, pelas circunstâncias apresentadas do caso, permitirão progressão de regime, ou mesmo o cumprimento inicial em regime menos severo, preservando o princípio da dignidade humana, entendimento esse firmado STF que será exposto a seguir.

3.3 Progressões de regime penal e o regime disciplinar diferenciado:

Cumpre ressaltar que, como já explorado, a CF/88 estabelece um rol de direitos e garantias fundamentais inerentes a toda pessoa. Porém, como esclarece Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[13], tais direitos não podem ser revestidos de caráter absoluto, quando observados motivos de interesse público que justifiquem e legitimem ao Estado, a imposição de medidas privativas à liberdade individual, com intuito maior de proteção aos valores que a sobreponham.
Assim, tais autores ainda ressaltam que: “[...] normas infraconstitucionais – lei, medida provisória e outras – podem impor restrições ao exercício de direitos fundamentais consagradas na Constituição.”[14]
Conforme previsão legal na Lei 8,072/90 (Lei de crimes hediondos), em seu art. 2º, § 1º, o cumprimento da pena pelos crimes previstos nesta lei, será o de inicialmente fechado, possibilitando progressão de regime ou apelar em liberdade da seguinte forma:
§ 2º  A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007). (Grifei)
§ 3º  Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007) [15]
Diferentemente do Código Penal que estipula cumprimento de pena no regime fechado aos crimes com penas superiores a 8 anos (art. 33, § 2º, a), nota-se que, pela leitura dos dispositivos da Lei de Crimes Hediondos, a intensão do legislador foi impor regime de cumprimento de penas mais severas, em virtude da gravidade dos delitos e por serem mais reprováveis. A questão já ganhou debates sobre sua constitucionalidade entre os Tribunais Superiores e a doutrina como já indicado.
A doutrina de Julio Fabrini Mirabete[16] já se posicionou no sentido de constitucionalidade, uma vez que, não haja qualquer infringência na individualização da pena, pelo que prevê o art. 5º, XLVI da CF, e sendo assim, cabendo à lei especial a determinação das regras de cumprimento de pena.
No entanto, essas explanações iniciais sobre o cumprimento de pena, bem como a progressão de regime desta imposição, remetem aos dizeres estabelecidos na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica) firmada pelo Brasil, que em seu art. 5º estabelece:
Artigo 5º - Direito à integridade pessoal
1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.[17] (Grifei).
Com grande clareza, Cezar Roberto Bittencourt em sua obra de Direito Penal expõe que:
Nossa contrariedade à proibição da progressão de regime é mais abrangente, pois além de violar o sistema progressivo de cumprimento de pena e desprezar o objetivo ressocializador atribuído à sanção penal, e, por extensão, a individualização da pena, ignora a política criminal admitida e recomendada pelo Estado Democrático de Direito. No entanto, o advento da Lei n. 9,455/97, que tipifica e disciplina o crime de tortura, ofereceu enfim, um fundamento jurídico inquestionável para se reinterpretar a proibição constante do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8,072/90, ao estabelecer que o condenado por crime de tortura “iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”, que consiste na adoção do sistema progressivo.
Há uma certa unanimidade nacional sobre o entendimento de que a Constituição fixou um regime comum para os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os definidos como crimes hediondos (art. 5º, XLIII, da CF), equiparando-os quanto a sua danosidade social. [18]
Deste modo, tal como explica Bitencourt[19], fica evidente a possibilidade de concessão da benesse aos outros crimes tipificados na referida Lei de crimes hediondos, mesmo que não explicitamente expresso, uma vez que, o Direito Criminal, por meio da hermenêutica possa permitir uma interpretação extensiva em benefício aos condenados. Disto, criou-se o impasse na aplicação da progressão de regime, visto que o STF editou Súmula de n. 698 a qual prevê: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão de regime de execução de pena aplicada ao crime de tortura”, súmula esta que, teve revogação tácita pelo Supremo tal como ainda observa Bitencourt:
[...] através do Habeas Corpus n. 82.959, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que previa o cumprimento da pena em regime integralmente fechado nos crimes hediondos e assemelhados [...].[20]
Esse entendimento, hoje resta uniformizado depois desse julgado que tornou inconstitucional a aplicação do referido dispositivos, tendo por conseguinte, a edição da Súmula Vinculante de n. 26, que dispõe:
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
 Porém, mesmo com essa inovação jurisprudência, ainda resta à questão do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) estabelecido no art. 52[21] da Lei de Execuções Penais n. 7.210/84, que, para grande parte da doutrina fere diversos princípios constitucionais tal como a individualização da pena e direitos humanos, princípios esses também discutidos quando na possibilidade de concessão de progressão de regime no referido HC supracitado, mas que, porém, no caso do RDD, ainda não haja manifestação do STF no sentido de sua inconstitucionalidade.
Para Bitencourt[22], a Lei de Execuções Penais, que fora alterada pela edição da Lei n. 10.792/2003 que instituíra esse regime de pena mais severo, fora adotado pelo governo com intuito totalmente inverso aos preceitos da Carta Magna, implementados por uma má administração penitenciária, que corrobora com atos atentatórios a dignidade humana, retomando ideias abandonadas como as do “direito penal do autor” que, pune o agente por quem ele seja, e não necessariamente pelo ilícito praticado, tornando o sistema inverso ao pretendido, ou seja, extremamente criminógeno.
Deve-se destacar que o grande impasse, esteja relacionada à periculosidade dos sentenciados que cumpram suas penas em RDD, tal como o aludido CC 110576/AM do STJ:
Conforme o juízo estadual (suscitante), os encarcerados em questão são de alta periculosidade, vinculados a facções criminosas e ao narcotráfico, exercem forte influência na população carcerária dos presídios daquele estado, além de terem arquitetado constatados planos de fuga e de execução de autoridades, fatos que justificariam a submissão ao regime disciplinar diferenciado, em garantia da segurança pública.
[...] o objetivo do regime diferenciado, de apenas temporariamente segregar presos de alta periculosidade, visto que, por ser medida tão drástica, em que o preso permanece isolado muitas horas por dia, não poderia eternizar-se, o que seria desumano.[23]
Para tanto, aplicação de regime mais severo como o aludido, tal como o a progressão de regime, deverá necessariamente uma análise e exame para imposição de tais medidas. Nesse entendimento, Bitencourt atenta ao seguinte:
Esse exame, por certo, deverá ser realizado tendo em vista que se trata de uma medida cautelar, ou seja, deve ser conduzido pelos princípios orientadores das mediadas cautelares, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora [...].[24]
Quanto a esse tema abordado superficialmente, resta aos juristas de um modo geral aguardar o desfecho em que sentido evolutivo as modificações anteriores referentes progressão do regime de cumprimento de pena poderão proporcionar em benefício dos condenados em outras questões, tais como o RDD, que por hora, grande parte da doutrina entende inconstitucional.
De tais argumentos, subentende-se que as regras de aplicação das penas com suas formas de regimes iniciais de cumprimento ou mesmo as formas de isolamento tal como o RDD, já se delineiam no sentido de ver resguardadas as garantias individuais de cada pessoa com a aplicação dos princípios essenciais a sua dignidade humana, da mesma forma que se pretende retribuir por meio das penas, os malefícios causados pelos infratores nos meios sociais.
De certa forma, a questão poderá alcançar outros patamares. Os entendimentos jurisprudenciais pesam no sentido de quais valores estejam em maior risco e devam ser resguardados; a liberdade individual, com total respeito à dignidade da pessoa humana ao apenado, com direito a regimes de cumprimento de pena menos severos pela progressão de acordo com critérios objetivos e subjetivos, ou a proteção social com mantença do apenado no cumprimento de pena conforme previsão legal, visto que, com análise do caso, a possibilidade concreta de o condenado vir a cumprir sua pena em regimes mais brandos, possibilita em alguns casos a continuidade da prática de delitos, impondo riscos como insegurança coletiva, aos seus julgadores, testemunhas, etc. Daí, a discussões recentes da Lei de Proteção aos Juízes (Lei n. 12.694/12) – “Lei do juiz sem rosto”, sancionada no intuito de proporcionar medidas de segurança aos julgadores.
Mas aqui, a discussão abrangeria muitas indagações já estudadas no Direito Penal, as quais no estado democrático de direito que se vive pelo implemento da CF/88, extirpam  qualquer intuito de resgatar ideias tais como o “Direito Penal do Inimigo”, teoria essa criada pelo alemão Günter Jakobs, que se aplica em casos que se queira resguardar ao próprio Estado em detrimento das garantias fundamentais inerentes a toda pessoa.
Essas observações servem apenas para demonstrar as proporções que são alcançadas e toda a discussão gerada na aplicação e cumprimento das penas, principalmente nos crimes hediondos, quando se é questionado as justificativas utilizadas pelo Poder judiciário, ou mesmo o intuito visado pelo legislador.
De certa forma, surgem entendimentos da incorrência a violação aos preceitos constitucionais como a dignidade da pessoa humana aqui exaustivamente indicado, tal como o direito de apelar em liberdade, ou regime de cumprimento inicial da pena mais brando, não admitido conforme as previsões legais, mas já, com posicionamento sacramentado em favor do réus nos Tribunais Superiores, uma vez que, denota-se a exposição de valores maiores que o poder público visa assegurar contrabalanceando os direitos individuais e sociais a depender do caso.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das explanações apresentadas sobre os crimes de maior gravidade, que imponham privação à liberdade, tais como, inafiançáveis, insuscetíveis de graça, anistia, ou indulto, terão sempre posicionamentos no sentido de buscar formas de balancear os valores maiores em risco.
Do teor exposto da referida Convenção Americana sobre Direitos Humanos, surge o debate constante de como aplicar as medidas protetivas sociais, em detrimento dos direitos a dignidade humana do apenado, uma vez que, como indicado nas legislações colacionadas anteriormente, o regime fechado de cumprimento de pena, e as possibilidades de livramento condicional em casos peculiares, identificam contrassenso aos preceitos constitucionais dos direitos fundamentais, tal como o aludido pacto ratificado pelo Brasil.
Fere a dignidade humana, onde a inserção de condenados em um sistema carcerário precário obstrui a possibilidade de ressocialização destes, transformando-os em criminosos mais qualificados, em total inversão de valores do sistema, que se torna autor e vítima de si mesmo.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
______. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo [recurso eletrônico]. 4º ed. Brasília: Secretaria de documentação. 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/Completo.pdf>.
______. Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto São José da Costa Rica. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1: parte geral (arts. 1º a 120). 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
GOMES, Luiz Flávio. Sistema carcerário brasileiro: a latrina da Justiça Criminal. Disponível em http://www.lfg.com.br - 16 de novembro de 2010.
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz e FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação Penal Especial. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Premier Máxima, 2005.
Legislação criminal especial. 2. ed. rev., atual. e ampl. (Coleção ciências criminais; 6/ coordenação Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado / Pedro Lenza. 15. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Execução Penal, Comentários à Lei 7.210 de 1984, 9º ed. - São Paulo: Atlas, 2000.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus. 2007.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro – parte geral, arts. 1º a 120. V. 1. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

Notas

[1] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado / Pedro Lenza. 15. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 859,860 e 863.
[2] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 16.
[3] LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 158.
[4] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro – parte geral, arts. 1º a 120. V. 1. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 149.
[5] Legislação criminal especial. 2. ed. rev., atual. e ampl. (Coleção ciências criminais; 6/ coordenação Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 511.
[6]JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz e FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação Penal Especial. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 592.
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo [recurso eletrônico]. 4º ed. Brasília: Secretaria de documentação. 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/Completo.pdf>. p. 15. Acesso em : 11 ago. 2012.
[8] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz e FULLER, Paulo Henrique Aranda. op. cit.  p. 29.
[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo [recurso eletrônico]. op. cit. p. 13. Acesso em : 12 ago. 2012.
[10] GOMES, Luiz Flávio. Sistema carcerário brasileiro: a latrina da Justiça Criminal. Disponível em <http://www.lfg.com.br>. 16 de novembro de 2010. Acesso em : 12 ago. 2012.
[11] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo [recurso eletrônico]. op. cit. p. 30 e 31. Acesso em : 12 ago. 2012.
[12] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 216,828-RS. Matéria criminal. Penal – Progressão de regime – Ausência de vaga em estabelecimento adequado – prisão domiciliar. Relator: Min. Maria Tereza de Assis Moura. 6ª. Turma. j. 2.02.2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201102015790&dt_publicacao=15/02/2012>. Acesso em 12 ago. 2012.
[13] PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus. 2007, p. 101.
[14] Idem, p. 101.
[15] BRASIL. Lei dos crimes hediondos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm>. Acesso em: 12/08/12.
[16] MIRABETE, Júlio Fabrini. Execução Penal, Comentários à Lei 7.210 de 1984, 9º ed. - São Paulo: Atlas, 2000, pg. 297.
[17] BRASIL. Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto São José da Costa Rica. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 12/08/12.
[18] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 17. ed. rev., ampl. e atual de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 614.
[19] Idem, 614.
[20] Idem, 615.
[21] Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)
II - recolhimento em cela individual; (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)
§ 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)
[22] BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit. 2012, p. 631 e 632.
[23] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência 110.576/AM. Competência. Transferência, Presídio Federal. Relator: Min. Arnaldo Esteves Lima. 3ª Seção.  j. 9.6.2010. Informativo n. 438. Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/infojur/doc.jsp?livre=@cod=0438. Acesso em: 15/09/2012.
[24] BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit. 2012, p. 635.


Advogado em Campo Grande (MS). Pós-graduado em Ciências Penais - LFG. Pós-graduando em Direito Constitucional - LFG.


Fonte: http://jus.com.br/revista/texto/22688/condenacao-criminal-privacao-da-liberdade-e-a-dignidade-humana-do-a-luz-da-constituicao-federal/2#ixzz2833J9VXT