terça-feira, 23 de outubro de 2012

Condomínio Necessário x Condomínio Voluntário


DIREITO CIVIL

Condomínio Necessário

Condomínio necessário ou forçado é o que a lei estabelece em relação acertos bens cuja divisão deve ser permanentemente mantida. Por ser forçado, esse condomínio não é necessariamente obrigatório. Com essa qualificação, significa-se que não admite partilha. Além disso, releva notar que as partes ideais dos diversos condôminos não podem ser transferidas isoladamente. Por fim, importante assinalar que os direitos dos proprietários da coisa comum têm extensão maior do que os dos condôminos voluntários, no que toca ao bem sob condomínio.

O condomínio forçado, segundo Orlando Gomes "verifica-se em relação às paredes, cercas valas, muros divisórios e às pastagens. Também ocorre em certas situações criadas pela comistão, confusão e adjunção."


Condomínio Voluntário

No que se refere ao condomínio voluntário, podemos dizer que é aquele no qual duas ou mais pessoas adquirem um mesmo bem. Deve, então, ser baseado na vontade das partes. Segundo Arnoldo Wald (Direito das Coisas, 10ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 121), esse tipo de condomínio não pode ser acordado, "senão pelo prazo relativamente curto de 5 anos, atendendo, dessa forma, ao caráter instável e provisório do condomínio. A ação de divisão (actio communi dividendo) pode ser exercida, em qualquer tempo, por qualquer dos condôminos, mesmo sendo minoritário e até se a maioria desejar continuar com o condomínio (art. 629 do Código Civil)".




A natureza jurídica do condomínio edilício


DIREITO CIVIL

Inicialmente, resta ressaltar que o instituto do condomínio edilício tem por objeto as edificações, ou mesmo o conjunto de edificações composto de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, seja para fins residenciais ou não residenciais.

Dentre as edificações destinadas para fins não residenciais, destacam-se escritórios, garagens, mercados, estações rodoviárias, shopping centers e, por extensão, vilas residenciais, loteamentos fechados e até cemitérios particulares com jazigos individuais ou coletivos, etc. [01]

Insta deixar claro que a doutrina ainda não fixou, em termos definitivos e acabados, a natureza jurídica do condomínio edilício, mas muitas teorias, conforme será delineado, tentam explicá-la, a exemplo da teoria acéfala que, sem maiores delongas, nega a existência de qualquer propriedade nessa forma de condomínio. [02]

A teoria da servidão recorda ponto de vista do direito francês. É uma teoria desapreciada pela maioria, tendo em vista não se ajustarem ao condomínio edilício os conceitos de prédio serviente e prédio dominante. Além do mais, na servidão sempre há relação de submissão, o que inexiste no condomínio, pois os condôminos estão no mesmo plano de igualdade de direitos e obrigações.

O legislador alemão adota a teoria da superfície, tendo em vista as relações jurídicas serem compendiadas na parte relativa ao direito de superfície [03], o que não se passa na sistemática do Código Civil Brasileiro, pois as inclui na parte relativa ao direito de propriedade.

Já a teoria da comunhão de bens prega que a propriedade horizontal seria uma comunhão de bens. É uma corrente insatisfatória, uma vez que nesse tipo de propriedade não há comunhão de bens, já que cada condômino é titular de uma unidade autônoma, sua parte exclusiva, e utiliza, ao mesmo tempo, as áreas de uso comum. Washington de Barros critica esta teoria e defende a existência de uma "comunidade de direito", e não de bens, em que são titulares várias pessoas, incidindo sobre o mesmo objeto [04], o que é mais aceito pela doutrina.


Há também a teoria da sociedade imobiliária, mas se mostra inadequada, pois não existe, no condomínio, a affectio societatis. Os condôminos não estabelecem, entre si, relações de uma sociedade, seja ela civil ou comercial.

Tem-se, ainda, a teoria da propriedade solidária. Também não merece respaldo, ante o fato de que na solidariedade há uma ínsita idéia de multiplicidade de credores e devedores, característica inexistente no condomínio edilício. Ainda, na solidariedade há unidade de prestação, isto é, cada devedor responde pela totalidade da dívida e cada credor pode cobrá-la por inteiro, o que não ocorre no condomínio. [05]

Por fim, tem-se a teoria do condomínio edilício como direito real novo, resultado da combinação de direitos reais preexistentes. É a defendida por PLANIOL e RIPERT [06], sendo a mais acertada e aceita pela doutrina. Preceitua que nos edifícios de andares ou apartamentos, pertencentes a proprietários diversos, existem superposição de propriedades distintas e separadas, complicada pela existência de comunhão relativa a determinadas dependências de uso comum dos diversos donos. Ou seja, o direito de propriedade sobre a parte exclusiva é combinado com o de co-propriedade sobre as partes comuns e forma um novo direito real, resultante dos dois primeiros, que é o condomínio edilício.

No mesmo caminho era o direcionamento de BAUDRY-LACANTINERIE [07], que dizia coexistirem nos condomínios uma mistura de propriedade exclusiva e de condomínio.

Segundo José de Oliveira Ascensão "a propriedade horizontal é efetivamente um novo direito real. Mas não é um direito real simples, pois não traduz uma nova maneira de afetar uma coisa em termos reais. É antes um direito real complexo, pois combina figuras preexistentes de direitos reais". [08]

Campos Batalha também se posiciona no sentido de que a combinação entre a propriedade exclusiva e a co-propriedade sobre as partes comuns faz nascer um novo direito real. Para ele "O condomínio por andares ou apartamentos caracteriza-se como uma verdadeira commixtio de propriedade comum e propriedade separada, reunindo e englobando, numa sistematização própria, princípios de ambos os institutos". [09]

Nessa esteira foi o nosso Código Civil, onde, em seu artigo 1.331, caput prescreve: "Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos" [10].

Portanto, apontadas as principais teorias que tentam explicar a natureza jurídica do condomínio edilício, percebe-se que a última é a mais acertada, pois nos condomínios edilícios realmente existem proprietários diversos que possuem uma propriedade exclusiva (suas unidades autônomas) e uma propriedade comum (as já citadas áreas de uso comum), onde ambas as propriedades coexistem.

Dessa maneira, pode-se dizer que o condomínio edilício é um instituto jurídico novo e complexo, tendo em vista ser um resultado da combinação entre a propriedade exclusiva e o condomínio sobre partes comuns.

Portanto, como demonstrado, ainda não foi possível fixar, em termos definitivos e acabados, a natureza jurídica do condomínio edilício, mas é possível concluir estar-se diante de um "instituto jurídico novo" [11]ou de um "(...) novo direito real (...) um direito real complexo, pois combina figuras preexistentes de direitos reais" [12] (grifo nosso), onde a combinação entre a propriedade exclusiva e a co-propriedade sobre as partes comuns faz nascer o condomínio edilício como novo direito real.

Cabe dizer que esse novo instituto jurídico de natureza real dúplice, denominado condomínio edilício, não é pessoa jurídica, pois o novo Código Civil perdeu a oportunidade de lhe dar personalidade jurídica, tão necessária àquele instituto, já que dela precisa para poder interagir com maior desembaraço no mundo jurídico, principalmente no que diz respeito à aquisição de bens imóveis que se possam incorporar ao prédio já existente. 

Carlos Maluf e Márcio Marques [13] apontam, como caso concreto, a impossibilidade de se comprar, em nome do condomínio, terreno contíguo para ampliar vagas de garagem, pela falta de personalidade jurídica, de maneira que os condôminos, se quiserem, são obrigados ou a adquirir em seus próprios nomes a propriedade, o que quase sempre inviabiliza o negócio, ou a constituir uma sociedade civil para esse fim.

O condomínio edilício, então, é uma ficção jurídica que existe na órbita do direito, sendo, para a doutrina, uma quase-pessoa, pois a nova lei civil não lhe deu personalidade jurídica. Possui personificação anômala, tendo em vista o Código de Processo Civil (em seu artigo 12, inciso IX) [14] atribuir ao síndico sua representação processual. Dentro de seu âmbito de atuação, pode-se dizer que o condomínio tem existência formal, havendo, inclusive, decisão do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido [15]. Com sua personalidade anômala, o condomínio em edifícios compra, vende, empresta, loca ou dá em locação, presta serviços, emprega, recolhe tributos. Enfim, dentro de seu âmbito de ação, atua na vida negocial como qualquer pessoa jurídica.



REFERÊNCIAS


ASCENSÂO, José de Oliveira. Direitos reais. Lisboa: [s.e.], 1973. p. 498.

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Loteamentos e condomínios. São Paulo: Max Limonad, 1953. v. II.

BRASIL. Código civil e legislação civil em vigor/Theotônio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa. 23. ed. atual. até 10 de janeiro de 2004. São Paulo: Saraiva, 2004.

BRASIL. Código de processo civil e legislação processual em vigor / Theotônio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa. 37. ed. atual. até 10 de fevereiro de 2005. São Paulo: Saraiva, 2005.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, REsp 9.584/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo.

FRANCO, João Nascimento. Condomínio. 3. ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

LOPES, João Batista. Condomínio. 8. ed. rev., ampl. e atual. pelo novo Código Civil, Lei 10.406, de
10.01.2002, em vigor desde 11.01.2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

MALUF, Carlos Alberto Dabus; MARQUES, Márcio Antero Motta Ramos. O Condomínio edilício no novo Código Civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das coisas. 37. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3.



Notas


  1. FRANCO, João Nascimento. Condomínio. 3. ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 13.
  2. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das coisas. 37. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 223.
  3. Loc. cit.
  4. Loc. cit.
  5. LOPES, João Batista. Condomínio. 8. ed. rev., ampl. e atual. pelo novo Código Civil, Lei 10.406, de 10.01.2002, em vigor desde 11.01.2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 48.
  6. Traité Pratique de Droit Civil, vol. 3º, n. 319 apud MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das coisas. 37. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3.
  7. Traité Théorique et Pratique de Droit Civil, vol. 6º, n. 986 apud MONTEIRO, Washington de Barros. Loc. cit.
  8. ASCENSÂO, José de Oliveira. Direitos reais. Lisboa: [s.e.], 1973. p. 498.
  9. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Loteamentos e condomínios. São Paulo: Max Limonad, 1953. v. II. p. 86.
  10. BRASIL. Código civil e legislação civil em vigor/Theotônio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa. 23. ed. atual. até 10 de janeiro de 2004. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 300.
  11. LOPES, João Batista. LOPES, João Batista. Condomínio. 8. ed. rev., ampl. e atual. pelo novo Código Civil, Lei 10.406, de 10.01.2002, em vigor desde 11.01.2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 52 et seq.
  12. ASCENSÂO, José de Oliveira. Direitos reais. Lisboa: [s.e.], 1973.
  13. MALUF, Carlos Alberto Dabus; MARQUES, Márcio Antero Motta Ramos. O Condomínio edilício no novo Código Civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 12.
  14. BRASIL. Código de processo civil e legislação processual em vigor / Theotônio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa. 37. ed. atual. até 10 de fevereiro de 2005. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 122 et seq.
  15. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, REsp 9.584/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, in Ibid.nota 23 ao art. 12.

Professor do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Advogado. Mestrando em Direito Econômico pela UFPB.

BRANDÃO, Magno Cardoso. O condomínio edilício como um direito real novo. Jus Navigandi, Teresina, ano 14n. 220010 jul. 2009 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13125>. Acesso em: 23 out. 2012.



A Lei nº 12.607/2012 e as alterações na locação de garagem de condomínio para terceiros

DIREITO CIVIL

Não há que se falar em quebra dos efeitos jurídicos decorrentes de contratos de locação de garagem de condomínio com terceiros celebrados antes da promulgação da nova lei.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. A LOCAÇÃO DA VAGA DE GARAGEM PARA TERCEIROS. 3. O NOVO § 1º DO ART. 1331. 4. E OS CONTRATOS JÁ CELEBRADOS?; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1. INTRODUÇÃO
No último dia 05.04.2012, foi publicada a lei nº 12.607/2012, que trouxe uma reforma pontual ao Código Civil vigente. A alteração atingiu o livro do Direito das Coisas, mais especificamente na matéria atinente a condomínio. Com a entrada em vigor da referida lei, o § 1º do art. 1.331 do Diploma material passa a ter nova roupagem, a saber:

Antes da edição da Lei 12.607/2012
Depois da edição da Lei 12.607/2012
§ 1o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários.
§ 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio.

Conforme se percebe no quadro comparativo acima exposto, o legislador optou por inserir uma restrição na liberdade de alienação da área privativa do condômino. Agora, os abrigos para veículos – mais conhecidos como garagens – somente poderão ser alienados a pessoas estranhas ao condomínio quando devidamente autorizado pela convenção de condomínio.

Apesar da suposta inovação legislativa, a linha de pensamento seguida não se alterou muito daquilo que a doutrina pátria vinha defendendo ordinariamente.



2. A LOCAÇÃO DA VAGA DE GARAGEM PARA TERCEIROS.


A vaga de garagem é considerada como parte da unidade privada do condômino e, em razão disso, deve ser utilizada exclusivamente por seu proprietário. Geralmente, seu título de propriedade é conferido juntamente com o registro da escritura pública da própria unidade autônoma.
Utilizou-se a expressão “geralmente” não por acaso.

Os novos empreendimentos possuem vagas sobressalentes que são vendidas em apartado para aqueles condôminos que precisam dispor de um numero maior de abrigos de veículos do que aqueles vinculados ao seu apartamento. 

Nestes casos, é possível optar pelo registro autônomo da vaga em face da unidade privada. Essa distinção confere ao proprietário a possibilidade de dispor da sua vaga de garagem de forma muito mais desimpedida do que se o seu registro estivesse vinculado à escrita do apartamento.

Aliás, desde a entrada em vigor do novo Código Civil, tornou-se mais fácil a locação das garagens de um condômino. Inovou o legislador civilista ao inaugurar o art. 1.338 que trouxe estampada a possibilidade de auferir frutos com o “abrigo para veículos”, conforme se observa, in verbis:

Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, preferir-se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre todos, os possuidores”, o que significa dizer que o leque de locatários ganharia um grande impulso, pois extrapolaria os limites dos condôminos, sendo aceitos, inclusive terceiros estranhos ao condomínio.

Como uma tentativa de reduzir o afã pela exploração econômica, o referido art. 1.338 colocou um freio na liberdade para celebração de contratos de locação de garagens. O legislador exigiu o cumprimento do direito de preferência entre os condôminos para, a partir de então, ser viabilizada a oferta para alienígenas àquele convívio comunitário.

Acontece que esta opção do Código Civil sempre foi bastante criticada pelos doutrinadores pátrios. Silvio de Salvo Venosa compõe a corrente que se posiciona contra esta possibilidade de locação para terceiros, conferida pelo Código atual. O referido autor, ao comentar o Código Civil, alerta para uma maior fragilidade da segurança do condomínio quando se autoriza a locação da garagem para aqueles que não se apresentam como condôminos, sugerindo inclusive uma ampla restrição a esta possibilidade. Segundo o doutrinador, “deveria o Código ter sido mais específico e incisivo. Não só a convenção e o regulamento podem vedar o ingresso de estranhos, como também a assembléia geral pode decidir sobre a matéria.”[1]

Neste mesmo sentido, afirma Pedro Elias Avvad que “muito embora a lei tenha aberto uma possibilidade de alugar área no abrigo para veículo a estranhos sem a tradicional ressalva “se a convenção o permitir”, está claro que o condômino locador, não fica, só por isso, autorizado a ignorar o estatuto interno alugando a sua vaga a estranhos, caso haja proibição expressa neste sentido.”[2]

Portanto, apesar de não constar no dispositivo mencionado, a necessidade de previsão acerca da possibilidade de locação para terceiros, pelo menos, na convenção de condomínio deve ser imposta. Esta exigência busca assegurar, no mínimo, o dever de informação aos demais condôminos da viabilidade de locação aos outros, mantendo, assim um comportamento isonômico para todos. Além disso, garante, ainda, a participação dos demais proprietários na deliberação de condutas a serem adotadas junto ao condomínio.


3. O NOVO § 1º DO ART. 1331.

A alteração inaugurada no § 1º do art. 1331 veio legitimar aquilo que estava presente apenas nas linhas dos livros e na mente dos doutrinadores mais cautelosos. Agora, o legislador, como já mencionado, resolveu limitar a liberdade do condômino quanto à alienação e a locação da sua vaga de garagem. A partir de então, somente com a autorização expressa na convenção de condomínio é que será possível adotar qualquer dessas atitudes. Em outras palavras, a simples omissão quanto a este tema deve ser interpretada como obstáculo à locação ou alienação da vaga de garagem para terceiros que não os condôminos.

Sendo assim, por exemplo, locar um “abrigo para veículos” sem a devida autorização expressa precedente da convenção de condomínio não assegura a validade do contrato de locação, haja vista que foi desobedecida a norma expressa, agora, em lei.

Apesar dessa maior segurança, a inovação não é merecedora de fortes aplausos pelo seu ineditismo.

Aliás, diga-se de passagem, que, apesar de, no curso do presente ensaio, sempre mencionar a expressão “inovação”, numa análise mais aprofundada não podemos sustentar o bastão da novidade com tanta ânsia. Isso porque o próprio Código Civil no art. 1.339, § 2º afirma expressamente que “é permitido ao condômino alienar parte acessória de sua unidade imobiliária a outro condômino, só podendo fazê-lo a terceiro se essa faculdade constar do ato constitutivo do condomínio, e se a ela não se opuser a respectiva assembléia geral.”

Perceba que a linha de raciocínio constante no novo § 1º do art. 1331 é similar a que consta no art. 1.339 § 2º do mesmo diploma civil, o que apaga, um pouco, o brilho do dispositivo foco deste pequeno ensaio.

A vantagem, porém, está na restrição da temática, o que evita maiores discussões. Identificar e qualificar o que venha a ser “parte acessória” da unidade imobiliária do condômino era uma tarefa que ficava solta nas relações factuais. Por exemplo: seria possível considerar a garagem com escritura autônoma como um acessório à unidade imobiliária? E aquela que está registrada na mesma escritura do apartamento? Se a resposta for positiva, a mudança ora em análise somente confirmará aquilo que o Código já mencionava, ou como popularmente se diz: “será chover no molhado”. Em caso contrário, o legislador civilista acabou por sanar uma omissão legal que já era suprida pela Convenção de Condomínio que tinha total autonomia para censurar a possibilidade de locação e/ou alienação da vaga de garagem para terceiros estranhos ao condomínio.



4. E OS CONTRATOS JÁ CELEBRADOS?

Considerando, ou não, a mudança legislativa como uma inovação, deve-se alertar para uma singela situação: E as relações locatícias travadas anteriormente à promulgação da referida norma em condomínios onde não há convenção de condomínio que permita expressamente a celebração com terceiros, como ficará a partir de então?

Lembram os autores Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze[3] que a nulidade do negócio jurídico pode ser classificada, dentre outras espécies, em originária e sucessiva, sendo que a primeira é assim rotulada, pois o vício nasce no próprio ato, enquanto que a segunda se manifesta por causa superveniente. Sendo assim, esta mudança legislativa seria, portanto, uma causa superveniente, o que afetaria os contratos em vigência já que não estão em conformidade com o que determina a lei, configurando, portanto uma fraude ao dispositivo legal?

O primeiro pensamento que pode ser desenhado segue a linha de raciocínio segundo a qual não pode ser considerado como defeito do negócio jurídico, pois não houve intenção das partes em fraudar a norma legal. Neste ponto, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald destacam que “a nulidade por fraude é objetiva, não estando atrelada à intenção de burlar o mandamento legal. Havendo contrariedade à lei, pouco interessa se o declarante tinha, ou não, o propósito fraudatório.”[4]

Ocorre que, apesar da possibilidade de invalidar um negócio jurídico por causa superveniente, a alteração da norma jurídica não é capaz de atingir o plano da validade do contrato de locação – no exemplo citado –, pois os requisitos para assegurar o livre trânsito dos efeitos desta avença devem ser observados no momento da sua celebração.

No caso em voga, deve-se chamar ao centro o art. 6º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro que assim afirma: “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. Isso implica dizer que não será possível a retroatividade da lei 12.607/2012 devido à sua eficácia ser processada apenas a partir da sua publicação, mantendo-se, consequentemente, hígida toda avença celebrada anteriormente.

Portanto, não há que se falar em quebra dos efeitos jurídicos decorrentes de contratos de locação de garagem de condomínio com terceiros celebrados antes da promulgação da referida lei. Estas avenças devem permanecer intactas, respeitando todos os efeitos dela decorrentes. O que não se pode aceitar é a renovação do mencionado contrato sem observar a necessidade de autorização expressa da convenção de condomínio para situações como esta em estudo.



5. CONCLUSÃO.

Diante de tudo ora apresentado, ainda que de forma singela, é possível concluir que o novo texto do § 1º do art. 1.331 do Código Civil modificado pela introdução da Lei 12.607/2012 apenas trouxe contornos legais para um entendimento doutrinário majoritário acerca das limitações ao exercício do poder de disponibilidade das garagens em condomínio edilício para terceiros.

É certo que com a referida mudança, consolidou-se o entendimento acerca do assunto, evitando maiores discussões, porém, como já relatado, o próprio Diploma Civil já tangenciava neste sentido na medida em que trazia em seu § 2º do art. 1.339 a impossibilidade de alienar partes acessórias à unidade imobiliária a terceiros, sem prévia autorização da convenção de condomínio.

Por fim, concluiu-se que, apesar da introdução do novel dispositivo legal, seus efeitos não podem atingir os contratos de locação entre condôminos e terceiros já celebrados sob pena de ferir frontalmente o art. 6º da Lei de Introdução do Direito Brasileiro, que assegura a proteção ao direito adquirido.
Destarte, a novidade legal, apesar de bem-vinda, não pode ser considerada como uma inovação.



6. BIBLIOGRAFIA.

AVVAD, Pedro Elias. Condomínio em Edificações no Novo Código Civil. 2 ed. rev. amp. Rio de Janeiro: 2007, Renovar.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. 8 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso do Direito Civil: Parte Geral. 10 ed. rev. atual. vol I. São Paulo: SARAIVA, 2008.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2011.


Notas

[1] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 384

[2] AVVAD, Pedro Elias. Condomínio em Edificações no Novo Código Civil. 2 ed. rev. amp. Rio de Janeiro: 2007, Renovar, p. 114

[3] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso do Direito Civil: Parte Geral. 10 ed. rev. atual. vol I. São Paulo: SARAIVA, 2008, p. 384

[4] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. 8 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p 530.

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Salomão Resedá

Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia - Ufba. Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito - Ufba. Professor da Unifacs (Universidade Salvador). Assessor do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de Livros.


RESEDÁ, Salomão. A Lei nº 12.607/2012 e as alterações na locação de garagem de condomínio para terceiros. 
Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3227, 2 maio 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21656>. Acesso em: 23 out. 2012.