segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Pode censura?


Semana passada, o Deputado Protógenes Queiroz pediu a retirada de cartaz do filme “Ted”, por considerá-lo ofensivo à moral mediana brasileira. O filme, segundo Protógenes, faz apologia a drogas e álcool e passa a mensagem de que o jovem que não estuda, não trabalha e se entrega a atitudes criminosas é feliz. Protógenes foi ao cinema com seu filho de 11 anos e saiu chocado.
A Universal Pictures ainda não se manifestou a respeito. Protógenes afirmou que havia crianças sozinhas no cinema assistindo livremente a cenas de sexo e drogas, passadas de uma forma agressiva e natural.
Pois bem. A vetusta Lei de Imprensa foi julgada “não recepcionada” pelo STF na ADPF 130-DF (2008). Desta forma, o que teríamos no Brasil, hoje, seria apenas a indenização a posteriori pelos excessos cometidos pela mídia em geral (art. 5º, V e X, CF).
Mas, não pensamos assim. Analisando-se a proibição constitucional total de qualquer tipo de censura (art. 220, caput e §§ 1º e 2º, CF), está também, em co-relação, o seguinte:
Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,observado o disposto nesta Constituição:
§ 3º – Compete à lei federal:
I – regular diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Art. 221 – A produção e a programação das emissoras de rádio e televisãoatenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família“.
A questão é o sopesamento múltiplo entre liberdade de mídia, direito de ser informado adequadamente, segundo os princípios dos arts. supra, e utilização apenas do mecanismo atual: ”eu sou a mídia, eu não tenho controle, eu posso lesionar livremente e depois indenizar, pois obedeço apenas à classificação indicativa e restrições pontuais”.
Cremos que os princípios transcritos acima não estão apenas escritos no papel. Se a sociedade brasileira quer afastar programas e filmes nocivos a um crescimento mental saudável dos jovens e adultos, talvez os termos “observado o disposto nesta Constituição”, ” práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”, “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;” e “IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família” pudessem ser melhor observador e aplicados.
É evidente que não se pode censurar a imprensa, a arte, a fala e as manifestações culturais do homem. Mas a moral mediana está aí para ratificar os princípios supra. Há limites traçados pela própria sociedade. Princípios nada mais são do que normas morais juridicizadas, ou seja, vetores axiológicos. O Ministério Público e a Igreja, por exemplo, não permitem pessoas nuas no Carnaval nem o desfile duma escola de samba com a imagem de Cristo na cruz. Há uma série de regras do que se pode ou não dizer em época eleitoral. Não se pode jamais vilipendiar em filmes ou programas de televisão, além de escolas de samba, a imagem de uma religião no país.
A fina linha entre punir o nocivo à formação do homem e censurar o mau gosto não é reta. Qual a função constitucional da mídia? Podemos descer ao vale-tudo? Como fica o direito de ser informado adequadamente, a proteção eficaz da criança? Nossa cultura jurídica contenta-se com a indenização apenas a posteriori? Como proteger a intimidade e a dignidade frente ao faroeste midiático atual? Como inibir a maldade televisiva, digital, etc?
Em todas as sociedades há colisão de direitos e princípios constitucionais. A proporcionalidade é um mecanismo relativamente novo para enfrentar a solução. Na ponderação (sopesamento) da carga dos vetores constitucionais e dos fatos concretos, não só o Judiciário, mas o legislador e Executivo deveriam atentar para o bem maior da proteção da pessoa e da família (art. 221, CF), do jovem, da saúde psíquica, etc. Como isto pode ser feito sem penetrarmos na arbitrariedade e aplicarmos a censura? Fica a pergunta deflagrada pelo caso Protógenes.

ANTÔNIO PIRES
Procurador da Fazenda Nacional em SP. Especialista em Direito Tributário. Especialista em Formação de Professores. Professor de Direito Constitucional, Direito Tributário, Teoria do Direito e Ciência Política da UNIP e FMU em SP. Mestre e Doutorando em Direito Constitucional.

Nenhum comentário:

Postar um comentário